sábado, fevereiro 25

Eu sou aquela

Como é difícil ser falante no meio de uma trupe de letras. Todos aqui são dramaturgos, ou estão desenvolvendo avidamente seus recursos nesse caminho. Eu sou da cena.

Vivo o conflito de querer eu mesma elaborar a idéia, partir do vazio e chegar ao drama, ao sonho encadeado, bem acabado, mas não sei escrever. Tenho minha mochila repleta de assuntos, imagens e fantasias que, muito mais do que vontade, eu preciso realizar. Mas o texto, a estrutura dramática, o rítmo... Acho que não saberia como.

Hoje estou lendo Pirandello. Seis Personagens a Procura de um Autor. E vou dizer o que quero, o que sinto, recorrendo não exatamente ao dramaturgo, embora a ordenação das palavras seja dele, mas ao personagem O PAI que tenta convencer um diretor a deixar-lhe viver sua vida, seu drama rejeitado por outro autor.

"...Nas palavras. Todos trazemos dentro de nós um mundo de coisas: cada qual tem o seu mundo de coisas! E como podemos entender-nos, senhor, se nas palavras que digo, ponho o sentido e o valor das coisas como são dentro de mim, enquanto quem as ouve lhes dá, inevitavelmente o sentido e o valor que elas têm para ele, no mundo que traz consigo?
Pensamos entender-nos... e jamais nos entendemos!..."


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Veja o meu drama não escrito com o qual vou entrar em cena neste momento.

Sou a amante. A vagabunda. A outra que mora na casa que ele montou, que pariu os filhos dele, depende do seu dramaturgo. A mulher que é necessária, na efetivação do sonho escrito, embora seja facilmente substituível. Que busca satisfazer seus desejos secretos nas visitas rápidas e recolhe migalhas de vida, afeição, realização que sobram no colchão depois que ele vai embora.

E se me perguntam, porque não larga dele? Digo com um ar entre lascivo e resignado... Por que eu o amo!

É essa a minha relação com a dramaturgia: Dependência e paixão. Luxúria e resguardo.
Assim vou vivendo minha arte, fazendo a fila, aceitando a fama de me entregar de corpo e voz a todo dramaturgo que escreva as palavras que minha alma deseja proclamar. Orgulhosamente, eu sou Atriz.

Kagyn vai ao teatro e conhece Mark Harvey Levine


Hoje meio que no impulso fui assistir à peça “Aperitivos” em cartaz no Centro Cultural São Paulo. Sou sempre muito exigente com o teatro, o que me faz começar textos como este com frases do tipo “a peça é boa, o que estraga são os atores”, mas seria uma injustiça neste caso. Entretanto, a peça tem como maior trunfo a dramaturgia de Mark Harvey Levine. Levine mostra total domínio de linguagem em seis peças curtas (O Aluguel, Surpresa, Aperitivos, Super-Herói, Tons e Roteirizado), onde a criatividade e o domínio técnico transparecem. Das seis peças curtas as duas últimas se destacam. Em “Tons” uma mesma situação é repetida seis vezes, mas a cada repetição uma nova perspectiva, um novo ângulo, um novo tom é mostrado até se chegar a resultado conclusivo. Já em “Roteirizado” um alerta um tanto romântico e otimista é dado ao público de forma ao mesmo tempo sutil e brusca. “Roteirizado” por si só vale toda a peça, mas as outras cinco peças curtas também têm inegável qualidade. No mais, a peça tem uma direção relapsa e um conjunto de atores que horas parece que vai, mas que nunca chega ao que poderia ser. Eis uma peça de dramaturgo. Conhecer Mark Harvey Levine vale o ingresso.

Resposta Experimental e Empírica à pergunta do Dramaturgo

Kagyn e a todos interessados nesta tal pergunta:

Estava eu em pleno feriado de carnaval, 10 da manhã... lendo Peter Brook "Ponto de Mudança" e me deparei com isso:

(...) é necessário que tudo nele [ o dramaturgo ] - suas técnicas, suas associassões, os segredos mais profundos do seu sobconsciente - esteja virtualmente pronto para ser mobilizado, em ordem rítmica, para atuar como mensageiro, as palavras dele são mensageiras. É assim que a significação cai na rede. As palavras escritas no papel são a rede. (...) É através de uma rigorosa eliminação de todos os ornamentos desnecessários, de todas as inúteis expressões de personalidade, que ele alcança uma forma que é própria, e não é sua."

Bem, minhas conclusões sobre esse pequeno trecho são ainda prematuras mas vale um linha:
Ao dramaturgo cabe o poder de síntese. Transformar mitos e arquétipos ( que não pertencem apenas a ele ) em figuras sintéticas da existência.

quinta-feira, fevereiro 23

O que é ser dramaturgo?

Ditar diálogos elaborados por meio de personagens esquemáticos?
Impor idéias através de técnicas milenares?
Distrair um povo cansado através do riso fácil?
Tapear as dores mundanas dando ao público a redenção?
Tapear as dores da alma inventando falsas soluções?
Seria talvez levar a consciência política ao acomodado feliz?
Ser o espelho de seu tempo?

Não tenho resposta. Não uma resposta conclusiva e ampla.
Que fique a dúvida. Pois dela nasce o olhar para dentro, para si.
O que é ser dramaturgo?

Capítulo das Perguntas

Um professor um dia... Não. Mais do que professor, um mestre um dia me pediu para que depois de todos os ensaios, aulas de interpretação, estudos teóricos ou práticas de qualquer natureza, eu fizesse a ele uma pergunta, uma única pergunta. Ou seja, ele me desafiou a transformar meu aprendizado não só no Teatro mas na vida em questionamentos básicos, não aceitar as primeiras impressões de tudo.
Não necessariamente ele me responderia. E foi o que aconteceu, não me lembro dele ter respondido uma pergunta sequer, assim, a queima-roupa, mas lembro-me de eu própria ter ido buscá-las através de portas que ele me apontava.

E então eu comecei a ter o hábito de mais perguntar do que afirmar, só me achaando no direito de fazer novas perguntas a ele quando as respostas das anteriores já haviam pelo menos sido esboçadas.
E também consegui compreender melhor o que é o aprendizado: é buscar respostas através de pequenas brechas que outras deixaram.
Então quero propôr, como se propõe a um cientista em seu processo investigativo, um Capítulo de Perguntas e se possível ajudar outros questionadores a acharem meias-respostas. Comoço com um questionamento que fiz ultimamente para alguns atoresdurante um teste de seleção, mas e eu?

1- Qual é o meu limite?

quarta-feira, fevereiro 22

HAMLET - Diálogo do Texto com as Épocas


Segundo Jan Kott, Hamlet funciona como uma esponja: os inúmeros símbolos, imagens e configurações contidas nesta obra, são universais, seus temas políticos como a sucessão do trono, desejo de poder, e intrigas internas no país pode ser facilmente conectadas com o contexto da época elizabetana. Nada é mais certo do que saber que Shakespeare tinha essencialmente os costumes ingleses impressos em suas peças. A cena podia ser Roma, Veneza, Messina, Viena, Atenas, Verona. O faz-de-conta pode se manter vivo por uma pincelada de cores locais aqui e ali, mas os personagens, seus hábitos, suas aparências, e até mesmo suas roupas são extremamente ingleses.
Em Hamlet, as referências à Dinamarca e Noruega não nos engana. Hamlet é um príncipe inglês, a corte de Elsinor é modelada segundo os padrões da corte inglesa. Colocando-me, talvez, como público daquela época, ao ver conselheiros cochichando, embaixadores questionando e opinando sobre a conduta de países estrangeiros, o príncipe me dizendo que o rei está reunido em conselho, e o próprio rei falando sobre "guerra", logicamente não ia pensar na reunião do conselho do rei Christian IV, rei da Dinamarca na época de Shakespeare. Não seria mais natural traduzir toda aquela atmosfera de "estratégias e conspiração", para as reuniões internas da corte da Rainha Elizabeth?
Coloquei tudo isso para apenas levantar uma questão: Será que há algo de podre no reino da Inglaterra? Será Hamlet uma " Ratoeira" na história desse reinado? Sem esquecer que Shakespeare escreveu Hamlet no momento mais sombrio de sua carreira, quando seu patrono e seus amigos foram decapitados ou condenados à prisão perpétua, por alta traição, pela Rainha Elizabeth. Shakespeare, com habilidade, conseguiu permanecer como dramaturgo na corte.
Além disso, a tensão entre o feudalismo e o período renascentista de Shakespeare é equivalente a tensão entre a monarquia e a república, capitalismo e comunismo ou até entre o totalitarismo e o individualismo, e é por isso, talvez, que o texto seja contemporâneo a qualquer época da história do homem. No Brasil, Hamlet foi apresentado pela primeira vez em 1835. Naquela época, havia o sistema monárquico, que representava o "usurpador do trono". Hamlet, com suas dúvidas e insatisfações tinha muito em comum com os primeiros republicanos, ainda vivendo uma fase de pessimismo e devaneio.
Atualmente, alguns cineastas realizaram um filme chamado "Festa de Família", pertencente ao movimento Dogma 95, onde um grupo de artistas dinamarqueses se propôs a realizar novas mudanças estéticas no cinema. A história é básica: num jantar de aniversário do pai da família, segredos sórdidos vão sendo revelados por Christian, filho mais novo. A família que, aparentemente, era um bloco sólido, acaba se desmantelando, a cada nova revelação e comportamento dos três filhos.
Quando assisti a este filme, logo identifiquei Christian com Hamlet, principalmente, quando o filho finge um descontrole emocional para poder atacar o pai sem que ninguém o agrida. Depois identifiquei no personagem da mãe, a Rainha Gertrudes, que nada sabia, e ainda assim tenta a toda custo manter as aparências, quando a podridão é revelada. Sem falar que o filme começa com uma festa de aniversário e sabemos por comentários que o enterro da filha, irmã gêmea de Christian, tinha acabado de acontecer. Primeiro um enterro, depois uma festa, começa a tortura de Christian e de Hamlet. Outra cena que me recordo é quando a inconveniência do filho ultrapassa a paciência do pai e do irmão que o expulsam de casa a força, o amarram na floresta, achando que se livraram dele. Horas depois, Christian volta, entra na casa e continua insultando o pai e a mãe como se nada tivesse acontecido. Como Hamlet, voltando da Inglaterra.
Coincidência? Não, acho apenas que a lenda de Amleth - O Louco, permanece viva no inconsciente coletivo dos dinamarqueses, e eles não se cansam de contar a história do filho injustiçado pela maldade alheia.

CNTP

O que vem a ser esta sigla "CNTP"?

Bem, em linguagem científica, quer dizer "Condições Normais de Temperatura e Pressão". E para que fim isso se aplica? Relembrando minhas aulas maravilhosas de física e química, toda vez que íamos testar alguma coisa, ou apenas reproduzir as experiências já manjadas do livro, o professor dizia: "Tenham certeza que estamos lidando com a CNTP, ok! Não mudem um dos fatores sequer, senão será uma outra experiência, teremos outros resultados. Alterando a Pressão, a água ferve a menos de 100 graus, alterando a temperatura, as moléculas agem de forma desordenada..."

E isso sempre me intrigou, sob outras condições, a física e a química são totalmente relativas, não podemos obter o resultado exato... é FLUTUANTE, como são minhas reflexões a cerca do mundo.

E são nesses caminhos de alteração das Condições Normais de Temperatura e Pressão que quero experimentar o Teatro, com suas flutuações de energia, variações de humor, descontrole de um sistema complexo, cheio de perspectivas e possibilidades.

Sintam-se num Laboratório, peguem os compostos químicos e alquímicos que necessitarem, tirem o pó dos microscópios e dos tubos de ensaios e comecem suas tentativas. Mas nunca se esqueçam, se alterarem a CNTP terão resultados impressionantes e inesperados.

De Marcia Nestardo

"Sempre fui aluna de ciências, lógica e matemática. E também sempre participei de centro acadêmico, ensaiando uma atuação social e inteiração com o coletivo. Além de tirar notonas ainda fazia teatro.
Juntando o pacote todo, eu me achava inadequada. Nem de exatas, nem de humanas, ou sociais... Tudo junto? Não pode.
Hoje desencanei das definições. Amo a arte, desejo a humanidade de cada pequeno universo e continuo vendo a matemática de maneira apaixonada e poética. Bem resolvida com estas questões ainda me alegro e admiro, percebendo que as paixões disformes são mais freqüentes do que eu imaginava.

Sobre as CNTP... Jamais consegui executar um experimento, físico ou químico, com resultados 100% precisos. Jamais encenei a mesma peça duas vezes com o mesmo tesão ou a mesma resposta do público.
Aceito o desafio de estudar a complexidade dos sistemas. Vamos analisar as condições para o acontecimento cênico, e sempre que possível, aprender com as variáveis adicionais que transformam o fato teatral em pura magia."

Marcia Nestardo: atriz e pensadora de teatro
mnestardo@hotmail.com


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