sexta-feira, julho 7

A proposta de Jerzy Grotowski

Segue abaixo a reprodução do capítulo dedicado a Jerzy Grotowski no livro “A aprendizagem do ator” de autoria de Antonio Januzelli Janô. Excluindo radicalismos a que os princípios de Grotowski possam levar, esta é a proposta teatral em que acredito.


ALGUNS PRINCÍPIOS

Grotowski advoga o ator “santo” - aquele indivíduo que se engaja a na investigação de si mesmo para se tornar um criador. Esse engajamento exige dele a destruição de todos os estereótipos, até aflorar sua verdade pura. Para Grotowski, o teatro tem certas leis objetivas, e a sua realização só é possível quando respeitadas essas leis. O grande trunfo do teatro é ser um ato gerado pelo contato entre pessoas, o que o configura como um evento também biológico. A realidade do teatro é instantânea, no aqui-e-agora, e executada no próprio organismo do ator frente ao espectador, condições essas que fazem tal arte impossível de ser reduzida a meras fórmulas. A relação do ator com o espectador no teatro de Grotowski torna-se
uma relação física, ou melhor, fisiológica, no qual o choque dos olhares, a respiração, o suor [...] terão participação ativa.
Do ator é exigido o desenvolvimento de uma anatomia especial, resultante da eliminação de toda resistência do corpo e qualquer impulso psíquico. O ato da criação teatral para o mestre polonês nada tem a ver com o conforto externo ou com a civilidade humana convencional, mas com o instinto despertando e escolhendo espontaneamente os instrumentos de sua transformação, numa luta do ator contra os seus bloqueios, atrofiamentos e condicionamentos. O que terá importância nesse processo é a operação de um trabalho interior intenso, pois o teatro só tem significado se o homem puder experimentar o que é real e, “tendo já desistido de todas as fugas e fingimentos do cotidiano, num estado de completo e desvelado abandono”, descobrir-se.

O desejo de Grotowski é liberar as fontes criativas do homem, reconstituindo-lhe “a totalidade da personalidade carnal psíquica”. Nessa caminhada, o papel será um instrumento para o ator fazer uma incisão em si mesmo, investigando tudo o que está oculto em sua personalidade. A moralidade nessa etapa significa expressar a verdade inteira, não esconder o que for básico, não importando se o material é moral ou imoral, pois a primeira obrigação do artista é expressar-se através de seus próprios motivos pessoais e correr riscos, pois não se podem repetir sempre os mesmos caminhos.

A chave mestra desse processo é o reconhecimento do material vivo, constituído pelas associações e recordações do ator, que deverá reconhecê-las não pelo pensamento, que impõe soluções já conhecidas, mas através dos seus impulsos corporais, tornando-se consciente deles, para dominá-los e organiza-los; com o tempo, ele sentirá que o seu corpo começa a reagir totalmente, que não oferece mais resistências, que seus impulsos estão livres... mas nessa experiência é necessário galgar “degrau por degrau, sem falsidade, sem fazer imitações, sempre com toda personalidade, com todo o corpo”.

O MÉTODO DA SUBTRAÇÃO

A via negativa

“O processo criativo consiste [...] em não apenas nos revelarmos, mas na estruturação do que é revelado”.
O que Grotowski chama de “método” é exatamente o oposto de “prescrições” – o ator aprender por ele mesmo suas limitações e bloqueios e a maneira de supera-los; algo o estimula e ele reage, mas as reações não devem ser procuradas, só valerão se forem espontâneas. Para Grotowski todo método que não se abre no sentido do desconhecido é um mau método, e que todos os exercícios que constituem uma resposta à pergunta
Como se pode fazer isso? devem ser abolidos. O processo que ele propõe é o da “via negativa”: O que é que eu não devo fazer? Com uma adaptação pessoal dos exercícios devem-se encontrar soluções para eliminação dos obstáculos, que variam de um indivíduo a outro; sempre são sugeridos ao ator exercícios que induzam a uma mobilização psicofísica, objetivando eliminar tudo que seja seja fonte de distúrbios à suas reações. É imprescindível que ele tenha condições de trabalhar em segurança, que sinta que pode fazer tudo, que será compreendido e respeitado por seus companheiros. “Não se lhes inculca um saber fazer. Eles precisam encontrar um saber ser”.

Deve ser claramente estabelecido para cada ator aquilo que:
¬ bloqueia suas associações íntimas e ocasiona sua falta de decisão;
¬ descoordena sua expressão e disciplina;
¬ o impede de experimentar o sentimento de sua própria liberdade.

Nenhum exercício deve ser feito superficialmente; eles são elaborados pelos atores e adotados de outros sistemas, estabelecendo-se nomes para cada um a partir de idéias e associações pessoais, devendo o ator justificar cada detalhe do treinamento com uma imagem precisa – real ou imaginária.

Os exercícios servem para a pesquisa, e não como mera repetição, e devem ser realizados dinamicamente através da busca de contatos concretos – a recepção de um estímulo do exterior e a reação a ele, com todo o corpo participando da ação. É regra essencial que tudo venha do corpo e através dele, devendo existir uma reação física a cada coisa que afeta o ator, que deve banir todas as formalidades do seu comportamento, erradicando tudo o que não harmonize com seus impulsos, respeitando integralmente o processo natural fisiológico, que nunca deverá ser restringido por sistemas ou teorias impostos.

É necessário o ator fazer um exame geral diário de tudo o que se relaciona com seu corpo e sua voz, e tudo o que for realizado
deve ser sem pressa, mas com grande coragem [...] com toda a consciência, dinamicamente, como resultado de impulsos definitivos.
Para que tudo atinja um resultado, a espontaneidade e a disciplina são aspectos básicos.

O AUTODESVENDAMENTO

É o ato baseado num esforço de total sinceridade, exigindo do ator renúncia “a todas as máscaras, mesmo as mais íntimas e necessárias ao equilíbrio psíquico”.

Esse ato de desvendamento do ator se processa através do encontro consigo mesmo, por meio de um extremo confronto consigo mesmo, disciplinado e preciso, quando o diretor se torna um guia que o ajuda a resolver as dificuldades que possa encontrar e a vencer as inibições e condicionamentos. Nesse processo as ações devem absorver toda a personalidade do ator, desencadeando reações de sua parte que lhe permitam
revelar cada um dos esconderijos de sua personalidade, desde a fonte instintivo-biológica através do canal da consciência e do pensamento até aquele ápice tão difícil de definir e onde tudo se transforma em unidade.
Muitas vezes é preciso estar totalmente exausto para quebrar as resistências da mente e banir as formalidades físicas do comportamento.

Contatos
O ator deve reagir para o exterior, em contato o tempo todo com o espaço que existe em sua volta, com as coisas e pessoas, procurando usar sempre as próprias experiências, reais, especificas, intimas, penetrando no estudo profundo da reações e impulsos do seu corpo.

Associações
São o retorno de uma recordação exata, que emerge não só da mente mas de todo corpo; o ator deve relacionar as ações concretas com uma lembrança, pois as recordações são sempre reações físicas: foi a pele que não esqueceu, foram os olhos que fixaram, os ouvidos que gravaram. Elas não são simples pensamentos, por isso não podem ser calculadas.

Do silêncio
O silêncio é algo difícil do ponto de vista prático, mas é de absoluta necessidade no trabalho do ator. Ele gera a passividade criadora – o ator deve começar não fazendo nada, silencio total; isso inclui até seus pensamentos, pois é necessário que o processo o possua. Nesses momentos, o ator deve permanecer internamente passivo, mas extremamente ativo; são reações que desimpedirão as suas possibilidades naturais e integrais.

Vá para o subsolo:
Grotowski, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Editora Civilização Brasileira.
Obra composta de uma série de artigos, entrevistas e comentários de encenação abordando a filosofia e a prática do trabalho do teatrólogo polonês. Em dois dos capítulos são expostos os exercícios desenvolvidos no seu método de treinamento do ator.


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