quarta-feira, fevereiro 22

HAMLET - Diálogo do Texto com as Épocas


Segundo Jan Kott, Hamlet funciona como uma esponja: os inúmeros símbolos, imagens e configurações contidas nesta obra, são universais, seus temas políticos como a sucessão do trono, desejo de poder, e intrigas internas no país pode ser facilmente conectadas com o contexto da época elizabetana. Nada é mais certo do que saber que Shakespeare tinha essencialmente os costumes ingleses impressos em suas peças. A cena podia ser Roma, Veneza, Messina, Viena, Atenas, Verona. O faz-de-conta pode se manter vivo por uma pincelada de cores locais aqui e ali, mas os personagens, seus hábitos, suas aparências, e até mesmo suas roupas são extremamente ingleses.
Em Hamlet, as referências à Dinamarca e Noruega não nos engana. Hamlet é um príncipe inglês, a corte de Elsinor é modelada segundo os padrões da corte inglesa. Colocando-me, talvez, como público daquela época, ao ver conselheiros cochichando, embaixadores questionando e opinando sobre a conduta de países estrangeiros, o príncipe me dizendo que o rei está reunido em conselho, e o próprio rei falando sobre "guerra", logicamente não ia pensar na reunião do conselho do rei Christian IV, rei da Dinamarca na época de Shakespeare. Não seria mais natural traduzir toda aquela atmosfera de "estratégias e conspiração", para as reuniões internas da corte da Rainha Elizabeth?
Coloquei tudo isso para apenas levantar uma questão: Será que há algo de podre no reino da Inglaterra? Será Hamlet uma " Ratoeira" na história desse reinado? Sem esquecer que Shakespeare escreveu Hamlet no momento mais sombrio de sua carreira, quando seu patrono e seus amigos foram decapitados ou condenados à prisão perpétua, por alta traição, pela Rainha Elizabeth. Shakespeare, com habilidade, conseguiu permanecer como dramaturgo na corte.
Além disso, a tensão entre o feudalismo e o período renascentista de Shakespeare é equivalente a tensão entre a monarquia e a república, capitalismo e comunismo ou até entre o totalitarismo e o individualismo, e é por isso, talvez, que o texto seja contemporâneo a qualquer época da história do homem. No Brasil, Hamlet foi apresentado pela primeira vez em 1835. Naquela época, havia o sistema monárquico, que representava o "usurpador do trono". Hamlet, com suas dúvidas e insatisfações tinha muito em comum com os primeiros republicanos, ainda vivendo uma fase de pessimismo e devaneio.
Atualmente, alguns cineastas realizaram um filme chamado "Festa de Família", pertencente ao movimento Dogma 95, onde um grupo de artistas dinamarqueses se propôs a realizar novas mudanças estéticas no cinema. A história é básica: num jantar de aniversário do pai da família, segredos sórdidos vão sendo revelados por Christian, filho mais novo. A família que, aparentemente, era um bloco sólido, acaba se desmantelando, a cada nova revelação e comportamento dos três filhos.
Quando assisti a este filme, logo identifiquei Christian com Hamlet, principalmente, quando o filho finge um descontrole emocional para poder atacar o pai sem que ninguém o agrida. Depois identifiquei no personagem da mãe, a Rainha Gertrudes, que nada sabia, e ainda assim tenta a toda custo manter as aparências, quando a podridão é revelada. Sem falar que o filme começa com uma festa de aniversário e sabemos por comentários que o enterro da filha, irmã gêmea de Christian, tinha acabado de acontecer. Primeiro um enterro, depois uma festa, começa a tortura de Christian e de Hamlet. Outra cena que me recordo é quando a inconveniência do filho ultrapassa a paciência do pai e do irmão que o expulsam de casa a força, o amarram na floresta, achando que se livraram dele. Horas depois, Christian volta, entra na casa e continua insultando o pai e a mãe como se nada tivesse acontecido. Como Hamlet, voltando da Inglaterra.
Coincidência? Não, acho apenas que a lenda de Amleth - O Louco, permanece viva no inconsciente coletivo dos dinamarqueses, e eles não se cansam de contar a história do filho injustiçado pela maldade alheia.


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